quinta-feira, 30 de abril de 2009

É preciso inventar novas armas

Desde seus primórdios, o capitalismo manteve na miséria dois terços da população mundial. Mas, com a automatização das fábricas e o advento das tendências virtualizantes, e com o atual deslocamento do foco para as finanças, os serviços, o marketing e o consumo, essa porcentagem de “excluídos” está aumentando perigosamente. São poucos aqueles que podem se submeter à vertigem da flexibilidade e da reciclagem constante, a fim de satisfazer as demandas da competitividade, colocando no mercado de trabalho os atributos igualmente “virtuais”, etéreos e imateriais que hoje são solicitados: criatividade, inteligência, conhecimento, habilidades comunicativas e informação.

É irreversível a compatibilidade entre homens e computadores, isto é, a mutua impregnação pela lógica digital através do convívio com os aparelhos e com as metáforas que os atravessam. Isso já está ocorrendo no presente. Mas se trata de uma construção histórica e, como tal, pode mudar. Ou seja, não se trata de um fato “natural”, de uma “conseqüência inevitável do progresso”, mas de uma construção que responde a um projeto sócio-político e econômico determinado. Eu, particularmente, sinto um desconforto profundo com relação ao papel que o mercado assumiu em nossas vidas, e concordo com Gilles Deleuze quando ele diz que a nossa sociedade sofreu uma mutação nas últimas décadas, e que não cabe temer ou esperar: é preciso inventar novas armas.

A Internet está gerando novas dinâmicas na afetividade e na sexualidade, já que cada vez mais pessoas se relacionam virtualmente, e acredito que é possível estabelecer verdadeiros laços afetivos, ou de desejo, pela Internet, pois a sexualidade humana é múltipla, e suas manifestações variam historicamente, mas o fenômeno é inquietante. Eu não considero que o cyberespaço seja um universo separado do mundo real. Pelo contrário, trata-se de um fenômeno perfeitamente “real”, que faz parte de nosso mundo e está afetando fortemente nossas subjetividades, nossas cosmovisões e nossos modos de ser. As práticas desenvolvidas nos ambientes digitais estão influenciando as condutas sexuais e o imaginário erótico, mas este é um fenômeno muito recente, cuja popularização começou há menos de uma década.

O fato de a reprodução não ser o único objetivo do sexo ficou evidente pelo menos desde a invenção da pílula anticoncepcional. É verdade que as técnicas de clonagem vão mais fundo nesse sentido, pois tornam desnecessária a participação masculina na concepção de um novo ser. Isso é inquietante. As condutas sexuais e o imaginário erótico estão atravessando fortes transformações, com certeza afetados pelas descobertas e invenções tecnocientíficas, tanto no campo teleinformático como no das ciências da vida, mas também em virtude das mudanças sociais e políticas que estamos vivenciando.

Parece sobrar cada vez menos espaço para a reflexão moral num cenário dominado pela ciência e pela tecnologia.
Os avanços tecnocientíficos são tantos e tão velozes que as nossas ferramentas para compreendê-los e avaliá-los costumam ser insuficientes, pois também elas estão submetidas ao turbilhão da obsolescência e ao imperativo da reciclagem constante. Acredito que aí resida a origem do despertar da bioética e do biodireito nos últimos anos em todo o planeta, com os debates e questionamentos que decorrem da proliferação de fenômenos inquietantes surgidos dos laboratórios. As propostas de estabelecer proibições e estipular o cumprimento de códigos internacionais, porém, não parecem adequadas à dinâmica da nova tecnociência aliada ao mercado global, e, acredito, a eficácia dessas iniciativas será escassa.

Seria possível fazer um download da criatividade? No fim das contas, este resíduo não redutível a “zeros” e “uns” não seria o que existe de mais essencialmente humano?
A arte, assim como a ciência e a filosofia, tem um papel fundamental: ela deve ousar. Rasgar o véu do senso comum e das verdades estabelecidas para ir além do que já se sabe, atrever-se a pintar e a pensar o que ainda não foi pensado, ou pintado. A capacidade de criar é um patrimônio valiosíssimo do gênero humano, inclusive daqueles integrantes da espécie que começam a se pensar como pós-orgânicos e como compatíveis com os aparelhos e com a lógica digital. Eu confio plenamente nessa capacidade, admiro essa potência da vida e procuro estar sempre atenta às suas reverberações.

Apesar da minha visão crítica com relação a todos os processos emancipadores , vejo forças positivas no desabamento de velhas formas de dominação e outras cristalizações de poder, que estão se desfazendo. Além disso, confio muito na potência criadora dos homens, inclusive dos “pós-orgânicos”, e acredito que os momentos de transição como este são férteis, pois permitem enxergar as inovações sobre o pano de fundo daquilo que vai ficando para trás. Discutir essas questões já é valioso, pois só entendendo aquilo em que estamos nos tornando poderemos definir aquilo em que queremos nos tornar.

É tudo mentira!

orge Luis Borges edificou uma obra repleta de pseudotraduções, falsas referências, citações a autores e obras inexistentes. E, considerando esse labirinto de paredes densas e intermináveis, é espantoso pensar que talvez um de seus escritos mais conhecidos seja exatamente um embuste, o terrível poemeto Instantes, cujas estrofes parecem fincadas à figura do escritor argentino. Quase três décadas de estudos e depoimentos lhe negando a autoria não foram suficientes, Borges continua sendo equivocadamente acusado desse que se tornou o mais célebre dos incontáveis textos que circulam na internet com assinaturas errôneas ou como apócrifos.

A lista não pára de crescer, tampouco cai o altíssimo nível das vítimas escolhidas para “assinar” essas pérolas (geralmente crônicas ou mensagens de fazer inveja ao mais piegas dos best-sellers de auto-ajuda). Nela encontramos Shakespeare, Maiakovski, Brecht, Neruda, Borges, García Márquez; entre os brasileiros, nomes como Millôr Fernandes, João Ubaldo Ribeiro, Drummond, Quintana e os campeões Arnaldo Jabor e Luís Fernando Veríssimo. Se você, leitor da Continente, nunca recebeu um e-mail ou cartão com um desses textos falsos, sinta-se um privilegiado. Ou, então, quem sabe, não percebeu o trote e até o repassou adiante.

E se engana quem subestima tais ludíbrios, crendo que apenas pessoas de pouca informação caem nas pegadinhas. Professores já empregaram o falso Borges em suas aulas, políticos o citaram em parlamentos, poetas sem conta o usaram como epígrafe em seus livros. Basta dizer, ainda, que Roberto Campos repercutiu os versos em um artigo e o escritor Moacyr Scliar jamais negou parte da responsabilidade pela popularização dos mesmos, já que os trouxe de Buenos Aires, reproduzindo-os no jornal Zero Hora. A própria Maria Kodama, viúva do poeta, contista e crítico argentino, precisou ir à Justiça para negar aquela autoria e se precaver contra ações dos herdeiros do verdadeiro autor.

O assunto revela ainda outras maléficas facetas, como a de textos que são plagiados. Desde as escolas até as universidades, cada vez mais estudantes têm surrupiado textos na rede. No caso das pós-graduações, houve aqueles que não só copiaram teses como também as recolocaram na internet, agora com novas assinaturas. Como muitos desses trabalhos vão parar em revistas científicas, imaginem a surpresa de quem encontra partes de sua pesquisa publicadas com falsa autoria? Esse problema é tão sério que as coordenações de cursos de todo o mundo começaram a adotar programas que buscam excertos coincidentes entre os textos de seus alunos e materiais encontrados na web.

Por tudo isso, será que não chegou o momento de dar mais atenção a essas fraudes literárias? Se os diferentes tipos de fake findam por ludibriar tanto adolescentes iletrados como jornalistas e organizadores de antologias, não existe aí um campo de trabalho novo e profícuo para pesquisadores? Quantas dessas adulterações não devem ainda circular de forma despercebida, pois tanto o falso autor quanto o verdadeiro não chamam a mesma atenção como aqueles que foram aqui citados?

Por enquanto, o que resta é pedir zelo para quem tem por hábito utilizar sua lista de contatos para enviar e-mails com textos, correntes, santinhos etc. O que, em si, já é uma caceteação.

Boataria na web

A mensagem urge na tela do computador: “A CNN já fez o alerta. Por favor, repasse esta mensagem para todos que você conhece”. O assunto não importa: um virulento programa que destrói seu computador, bebidas drogadas por traficantes de órgãos, uma catástrofe que não pode mais ser evitada, vítimas de guerra que precisam de ajuda, ingredientes cancerígenos no seu enlatado predileto, experiências genéticas em animais fofinhos, uma conspiração política, ou próximo atentado terrorista.

Ao longo dos séculos, a imaginação humana tem gerado toda a sorte de boatos, fantasiosos ou não. Anos atrás, através do boca-a-boca, propagavam histórias como a loura do Escort que caçava pretendentes desavisados madrugada adentro, da popular tela cujo pintor fez um acordo com o diabo. Antes ainda, havia o papa-figo solto pelo Recife e a moça emparedada na rua Nova; os túneis secretos de Olinda; crocodilos nos esgotos de Nova York; cadáveres no reservatório d’água do Rio de Janeiro. E quanto àquele vinil que, girado ao contrário, amplifica conjurações satânicas? O ingrediente secreto da Coca-Cola? Ou a receita dos hambúrgeres do McDonald’s? O que há do lado de dentro da boneca Barbie? Paul McCartney realmente está morto? Lendas infinitas, que renderiam um belo retrato dos desejos, medos e delírios do homem contemporâneo.

Eis que hoje a boataria é digital. Basicamente, elas podem ser divididas entre trumors e hoaxes, dois novos verbetes em nosso linguajar contemporâneo. Trumor (true + rumor) é uma notícia verdadeira ou que se torna verdade após sua circulação (uma mentira repetida mil vezes se torna verdade). Já o hoax (literalmente, “embuste”, com derivação da expressão hocus pocus) tem alto poder de convencimento e objetiva iludir o maior número de pessoas com informações falsas. Entre eles, o que há em comum é a forma epidêmica com que são propagados pela rede mundial e os elementos que caracterizam os boatos – de acordo com o dicionário, “notícia de fonte desconhecida, muitas vezes infundada, que se divulga entre o público”. Ou seja, o bom e velho zunzunzum.

O fato é que, na internet, os rumores adquiriram alcance epidêmico. Como no caso da notícia veiculada pelo canal pago Globonews, de que um avião da empresa aérea Pantanal teria caído na Zona Norte de São Paulo. De fato, as imagens mostravam muita fumaça, mas nada de avião. Em pouco tempo, a verdade surge e ridiculariza nosso glorioso e mal-apurado jornalismo control C + control V (copie e cole): era nada mais do que um incêndio numa fábrica de colchões. Tarde demais: a “barriga” já tinha sido propagada pelos portais UOL, Terra, iG, e os jornais eletrônicos por eles hospedados, como a Folha Online e o Estadão.

Em 1938, a conhecida narração de Orson Welles para o livro Guerra dos mundos, de H.G. Wells, resultou em pânico generalizado em centenas de milhares de norte-americanos, que acreditaram estar sofrendo um real ataque alienígena. Caso emblemático da importância dos mass media na disseminação de um boato.

Longevo pesquisador do comportamento humano, o psicanalista José Ângelo Gaiarsa enxerga o pânico e histeria gerados pelo episódio pelo viés psicanalítico. “Existe uma ansiedade coletiva negada, pois a vida é muito incerta, e mesmo assim tem gente que se comporta como tudo estivesse bem. Mas o fato é que estamos todos assustados. Temos muitos medos escondidos, e isso é um pavio curto para qualquer faísca fazer explodir tudo”, expõe o escritor, que já publicou uma extensa análise de um fenômeno próximo ao boato: Tratado geral sobre a fofoca (Summus Editorial).

Música e loucura

Os compositores, em geral, concordam quanto à presença, em seus processos mentais, de um elemento irredutível – a inspiração – que, junto a todo um complicado trabalho de construção racional, constitui a essência do processo criativo.
A inspiração resulta, na prática, naquilo que poderíamos bem chamar de “coisa dada” ao compositor, em contra-distinção a tudo aquilo que ele irá acrescentar para obter a peça musical acabada. A inspiração fornece uma espécie de “semente” – um motivo musical, um tema –, em que o compositor baseia todo o restante de seu trabalho.

O fato importante a destacar, aqui, é que essa “coisa dada” não chega ao compositor pela via racional . É algo mais ligado ao instinto, aos sentimentos, que brotam das entranhas da alma – ali onde residem as grandes paixões e onde o gênio faz a sua morada. Não sendo racionais, a melodia de uma peça e sua inesperada seqüência harmônica são, em última análise, inexplicáveis.

Quando J. S. Bach reduziu o papel da inspiração na arte da composição ao da perspiração, na verdade o fez enunciando uma das mais espetaculares mentiras jamais ditas por um cristão temente a Deus: “– Trabalhe tanto quanto eu, e você comporá tão bem quanto eu”... Mozart foi mais sincero: “ – Quando eu sou completamente eu mesmo, inteiramente a sós, e de bom humor (...), é nesses momentos que minhas idéias fluem com mais facilidade e abundância. De onde elas vêm, ou como elas vêm, eu não sei; tampouco posso forçar que elas cheguem”.

Nenhum outro período histórico ilustra tão bem o milagre da inspiração, não só na música, mas em todas as artes, quanto o Romantismo, na transição do século 18 para o 19. Esse movimento notável de idéias, entretanto, começa a surgir na Inglaterra já em meados do século 17, inicialmente como mero termo para indicar o fabuloso, o extravagante, o fantástico e o irreal. Daí por diante, “romântico” passa cada vez mais a indicar o renascimento do instinto e da emoção, que o racionalismo do Iluminismo não havia conseguido abafar inteiramente. O ethos do homem romântico pode ser assim resumido: sentimento e emoção que se afirmam acima da razão, conflito interior, dilaceração de um ego que nunca se sente satisfeito, busca interminável de “algo mais” que lhe escapa continuamente, impressionabilidade permanente, inquietude, saudade irremediável e ânsia de retorno a uma felicidade utópica. Além disso, o Romantismo – principalmente em música – é triste. A música dos compositores românticos, de Schubert a Berlioz, passando por Beethoven, Chopin, Liszt, Schumann, Weber, Brahms, Wagner, Mendelssohn e os compositores das chamadas escolas nacionais (onde não podemos deixar de lembrar a figura extraordinária de Tchaikovsky), pois bem, essa música exprime, acima de tudo, a paixão dolorosa, a fantasia (em contraste com a “fria razão”), não raro também o desespero.
Esse furor poeticus marca quase toda a expressão musical do Romantismo. Essa foi uma era assombrada pela identificação do lunático ao amante, ao poeta, que terminou por produzir uma estética capaz de abrigar, enquanto disciplina filosófica autônoma, elementos irracionais e sobrenaturais. O Romantismo considerava o gênio como algo afim com a loucura.

No seu belíssimo “Quarteto em Dó Menor, Opus 60”, com piano, Brahms confidencia a seu editor: “– Imagine um homem que tudo perdeu e que decide se matar...”. Infeliz com seu amor impossível por Clara Schumann, Brahms manda as instruções para a publicação do Quarteto: “Na capa você deve colocar a figura de um homem com um paletó azul, colete amarelo... e uma pistola apontada para a cabeça. Agora sim, você vai poder fazer idéia da música! Para essa ilustração lhe enviarei minha fotografia...”. Compreende-se: essa era uma época em que as pessoas liam o Werther de Goethe e, inebriadas com o espírito do Romantismo, decidiam tirar a própria vida.

Felizmente, o “suicídio” de Brahms não passou das notas do seu Quarteto – uma das mais belas páginas da literatura musical de câmara de todos os tempos.

Teatro e loucura

Embora nascido do êxtase e do entusiasmo suscitados por primitivos rituais de vida e de morte, é com a ascensão do logos, no apogeu da Grécia clássica, que o teatro vai ganhar autonomia, instituindo-se como uma forma consciente de expressão artística. Desde então, credenciado sobretudo como uma arte da palavra, o teatro ocidental tem habitado prioritariamente os domínios da racionalidade. No entanto, pela essencialidade de seu caráter ritualístico, o fenômeno teatral jamais se desvencilhou de suas forças ancestrais, nem sempre submissas à lógica e ao intelecto. Ou seja, de algum modo, a arte de representar parece trazer em sua própria natureza a instigante tensão entre a razão e o seu outro – algo desconhecido, muitas vezes rotulado como loucura.

Todavia, a despeito de seus componentes irracionais, o teatro raramente concedeu o privilégio da representação aos indivíduos que na vida real são tidos como loucos. Isso não impediu que a loucura se tornasse uma temática teatral recorrente, embora sendo quase sempre representada, de forma mais ou menos caricatural, por pessoas consideradas normais. Há inúmeros loucos famosos na dramaturgia ocidental. Porém, a rigor, esses personagens que despertam tanta curiosidade das platéias não guardam muitas semelhanças com os seres humanos depositados em hospícios, ignorados pela maioria, controlados por grades ou por drogas, quase incomunicáveis.

De fato, a representação da loucura que vitima os pacientes psiquiátricos, a insanidade passível de diagnóstico científico, desglamurizada pelo habitual isolamento do doente, tem significado um grande desafio para o teatro – não somente para os atores, mas também para os diretores, e sobretudo para os dramaturgos. Estigmatizada no imaginário ocidental como um estado irreversível, a doença mental grave parece negar ao drama o seu componente mais importante: a ação desenvolvida por motivações subjetivas. Talvez por isso, através dos séculos, percebe-se que ao teatro, tanto à tragédia como à comédia, interessou menos a enfermidade psíquica propriamente dita, e, sim, o tornar-se louco, o fingir-se de louco, ou ainda, especialmente, o manter-se nos limiares da loucura.

Ora aparecendo como castigo por atos maléficos, ora como resultado da maldade alheia, ou ainda utilizada como artifício para obtenção de vantagens ou como subterfúgio para escapar de apuros, as formas de loucura que rendem melhor resultado dramático não necessariamente obedecem às descrições dos manuais de psicopatologia. Assiste-se com enorme assombro, por exemplo, à decadência mental de uma Lady Macbeth; mas que interesse teria essa personagem, se desde o início da peça ela já se apresentasse em agudo quadro de delírios e alucinações? Em Hamlet, por sua vez, em mais um lance de grande força cênica, o angustiado príncipe da Dinamarca, com seus teatrais métodos de vingança, deixa-se passar por louco, levando ao suicídio sua amada Ofélia.

O cômico, também, desde da antiguidade clássica, sem maiores compromissos com a representação de uma loucura verídica, produziu uma vasta galeria de hilariantes quase-loucos – excêntricos, lunáticos, maníacos e dementes. Esses tipos, criados e recriados por diversos autores e atores, ganhariam maior profundidade com a genialidade de Molière. Se Orgon fosse efetivamente louco, não haveria “O Tartufo”; mas se ele fosse um sujeito equilibrado, também não. Do mesmo modo, quase todos os demais tragicômicos protagonistas das peças de Molière parecem se encontrar a um passo da loucura, mas se mantêm obstinadamente no mundo das pessoas sãs.

O teatro voltado para o riso também engendrou a enigmática figura do bobo, o falso-louco por excelência. Bufão, pícaro, gracioso ou clown, a designação pode mudar, mas sua essência permanece a mesma: por ser marginalizado, como os loucos, ele tem a liberdade de dizer o que bem entende, sendo ouvido ou ignorado conforme os interesses de cada situação.

A loucura como ela é – Algumas vezes, porém, o teatro pôde estabelecer um contato mais aproximado com a realidade da doença mental, por intermédio do sofrimento particular de alguns criadores. No Brasil, entre outros casos, destaca-se o autor gaúcho José Joaquim de Campos Leão, conhecido como Qorpo-Santo (1829-83), que chegou a ser formalmente declarado incapaz, por manifestar distúrbios mentais. Algumas de suas peças, redescobertas a partir da década de 1960, como Eu Sou Vida; Eu Não Sou Morte ou Mateus e Mateusa, viriam a ser comparadas a certos experimentos do teatro moderno, em especial ao chamado teatro do absurdo – rótulo associado ao trabalho de autores como Samuel Beckett, Eugène Ionesco, Edward Albee e o atual ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, Harold Pinter, todos interessados em interpelar, por meio da linguagem, os limites da comunicação humana.

No Recife, a Cia. Teatro de Seraphim, cujo próprio nome foi inspirado pelos escritos teóricos de Artaud, tem se detido com especial atenção sobre a problemática da loucura.
Sempre sob a direção do professor Antônio Cadengue, em 1996, esse grupo levou aos palcos uma versão de “O Alienista”, de Machado de Assis. Nos dois anos seguintes, participou ativamente do Ciclo Iluminuras, importante experiência de aproximação entre o doente mental e a sociedade por meio da arte – iniciativa liderada pelo cantor Gonzaga Leal, quando atuava como terapeuta no Hospital Ulisses Pernambucano. Uma das peças encenadas pela Seraphim, nesse projeto, foi “Lima Barreto ao Terceiro Dia”, de Luís Alberto de Abreu, texto que reconstrói poeticamente o convívio do autor de “Triste Fim de Policarpo Quaresma” com os internos do manicômio a que foi recolhido por ser alcoólatra e por se encontrar em profundo estado de depressão.

Apesar de não ter corrido o risco de ser internado em hospícios, como ocorreu com Lima Barreto, embora também hostilizado por setores mais conservadores da sociedade, sendo freqüentemente tachado de pornográfico e de pervertido, caberia a Nelson Rodrigues produzir uma das melhores ilustrações das dificuldades de se representar teatralmente, em sua devida complexidade, as dores da enfermidade psíquica. Captando com precisão a atávica marginalidade do doente mental, em “Álbum de Família”, Nelson concebe o personagem Nonô, “o possesso”, um jovem atormentado que perambula nu ao redor da casa, causando vergonha aos seus familiares. Nonô não tem voz, não possui falas, nem sequer precisa aparecer em cena, mas a sua presença – que é ao mesmo tempo a sua ausência – é lembrada durante toda a narrativa, por exclusão ou por negação. De certa maneira, esse recurso encontrado pelo maior dramaturgo brasileiro parece sintetizar metaforicamente a maior contribuição que o teatro talvez possa legar à questão da doença mental: a evidência, ou a confirmação, de que a verdadeira loucura é, em última instância, um doloroso impedimento à representação.

Arte e loucura

Arte é criação. De onde o artista retira sua capacidade criadora não constitui questão para a psicanálise. Se o artista é, porventura, neurótico ou louco, então poderíamos considerar, em cada caso, que sua existência, como a de qualquer um, só é vista por ele de um ponto, mas é olhada de toda parte.

A formulação desse tema proposto poderia organizar a reflexão sobre o assunto, considerando o ato criativo, a criação artística – seja poética, pictórica, escultórica, musical ou qualquer outra –, sob o aspecto da moderação do ímpeto; ou, então, da contenção de uma loucura qualquer a ser mantida sob restrição.

Bem, descarto, de saída, o disparate de sugerir que haja, no ato criador, para usar o termo proposto, a loucura, ou que o criador seja louco. Afirmar tal coisa é ignorar a arte e desconhecer o que seja a loucura. A loucura não é recomendada para ninguém, nem mesmo para os artistas; além disso, sabemos que não é louco quem quer. Ao contrário, a arte pode até ser sugerida para os loucos, o que não significa afirmar poder ser por eles apreciada, pelo menos da perspectiva de um olhar para aquém e além do olho.

Uma outra coisa a ser, de imediato, descartada é que se possa fazer análise do artista por meio de sua criação. Se um psicanalista, atento à sua função – é função, nada mais, restrita à escuta de quem, porventura, lhe solicite ouvir o que tem a dizer –, conseguir, pelo menos, aprender, com seus analisantes, a arte da onirocrítica, poderá, quem sabe?, tornar-se também um crítico, um crítico de arte, mas não a partir de sua função de psicanalista. Não há análise possível de um autor a partir de sua obra; nem o autor a solicita, nem a obra diz do autor, mas, sim, de sua criação. Seria como analisar os pais pela fala dos filhos, mantendo os pais alheios ao que sobre eles está sendo dito por outros.

A inteligência e a razão impedem-nos, claro, de que nos quedemos em contemplação abobada, mas devem estimular-nos à perplexidade e à surpresa, comovendo-nos diante do que nos afeta, em face, por exemplo, da eloqüência de certos objetos da arte. Só isso nos faz reconhecer o fato de que haja nas criações da arte enigmas que nos são propostos, não necessariamente resolvidos pela nossa compreensão. Nesses casos, os objetos da arte nos propõem indagações; mas também podem conter respostas a indagações sequer formuladas.
Nós, analistas, lidamos com ambas: indagações e não-indagações. As indagações receberam o epíteto de neuroses; as não-indagações, o de psicoses. São termos pertencentes ainda à semântica do discurso médico originário, e, talvez até mesmo por falta de arte, de criação, nós ainda continuamos a usá-los impropriamente.

Se a arte de um determinado artista representa para ele a tentativa de formular – a exemplo dos “neuróticos” – alguma grande indagação que lhe foi imposta, à sua revelia, ou se se trata de lidar, por meio de grande tormento persecutório – no caso “psicótico” –, com respostas que não lhe são próprias, como respostas a alguma indagação que não lhe ocorreu, só o próprio artista poderá expressá-las e significá-las – tais quais lhe passam – com sua arte.

De modo geral, diante de uma grande obra de arte, cada um diz algo diferente do outro e nenhum diz nada que resolva o problema para o admirador despretensioso. Então, pode ser que o que nos captura tão poderosamente seja o “desejo” do artista, até onde ele conseguiu expressá-lo e transmiti-lo em sua obra e que de alguma forma encontra alguma correspondência, mesmo aparente, com nosso próprio desejo. O que no artista produziu esse ímpeto criativo pode corresponder, significantemente, ao nosso próprio desejo articulado em outro lugar.

Literatura e loucura

Loucura sempre fascinou escritores e poetas. Não é à toa. O louco, antes de ser um caso para psiquiatras, representa no imaginário universal o homem em todas as suas possibilidades. É um arquétipo (e não um estereótipo, por favor) do exagero e das escolhas e suas conseqüências. Por isso mesmo são infinitos os textos que usam o louco, em suas mais diversas manifestações, como personagem. Donde se pode deduzir que, em literatura, o superego atrapalha um pouco.

É interessante perceber que, ao contrário das artes plásticas, do teatro e da música, a literatura não permite que o louco seja ativo na criação. Claro que há exceções, mas elas não passam disso. Jamais um escritor diagnosticado como louco será canônico, ainda que a academia adore se debruçar, vez ou outra, sobre os delírios do dramaturgo gaúcho e louco de pedra Qorpo Santo.

A marginalidade em que vivem na literatura os escritores doidos varridos é motivo de crítica para Walter Benjamin: “A existência deste tipo de obras tem algo de surpreendente. Estamos habituados, apesar de tudo, a considerar o âmbito da escritura como algo superior e seguro, de tal maneira que a emergência da loucura, que aqui aparece sigilosamente, assusta mais”. Há que se entender aí a surpresa do moço: corria o ano de 1928 e as vanguardas artísticas ainda buscavam na loucura um modo de expressar a criatividade nunca compreendida.

Neste caso, parece claro que as idéias libertárias de Benjamin se chocam com as de Michel Foucault. Em sua História da Loucura, o intelectual francês tem um enunciado que é claro ao relacionar a loucura à ausência e à impossibilidade da obra. É óbvio que uma declaração destas não passa incólume à fúria dos pós-modernos, loucos para legitimar a loucura como arte.

A loucura é sempre tema ou personagem. A loucura não faz literatura. Como personagem, a loucura é fértil. Deu-nos de Dom Quixote a Policarpo Quaresma, passando por Hamlet e Quincas Borba. Como tema, ela sempre é alegoria, símbolo de algo que o autor nos quis revelar. No caso do longo ensaio de Luzia de Maria sobre o assunto, Sortilégios do Avesso (Escrituras), a loucura é expressão da tirania.

O assunto tomou conta de Luzia de Maria como um surto, durante uma aula com Silviano Santiago. A partir daí, ela começou a perceber que várias obras de seu escritor predileto, Machado de Assis, envolviam a loucura. Bingo. Nascia uma tese de mestrado.
A autora, porém, ignora sem cerimônia a questão arquetípica da loucura – o que é uma pena. Em seu trabalho de 360 páginas, Luzia de Maria começa por traçar um panorama da loucura através dos séculos, desde a Antigüidade Clássica. Há, neste momento, certa confusão entre a loucura e os “estados alterados da mente”. Tudo parece ser a mesma coisa na imprecisão de um tempo em que a medicina e a filosofia se misturavam. Assim, Luzia de Maria consegue juntar delírio e profecia sob a alcunha de loucura.

Fica claro, porém, que o Romantismo é o auge da loucura enquanto tema. Até porque os amantes deliram infinitamente. E também os românticos tinham certo pendor para visões tenebrosas de espíritos e demônios. Paradoxalmente, a literatura louca de Álvares de Azevedo, por exemplo, era feita sob parâmetros muito lógicos de uma arte que procurava traduzir em beleza aquilo que muitas vezes é delírio. A loucura do Romantismo é, portanto, abrandada pela sua finalidade que muitos não consideram nobre: a beleza.

Freud, aliás, parece ter sido o grande “amenizador” da loucura literária. A difusão dos estudos do psicanalista trouxe uma maior compreensão sobre o tema. O reflexo disso está em obras mais modernas, como a de Autran Dourado, na qual a loucura reside sem o folclore de outrora. “É uma loucura mais condizente com o que o personagem louco é. Ele tem a inteligência perfeitamente coesa, mas em certo ponto começa a ter delírios”, diz.
Por outro lado, a literatura contemporânea incorporou outro tipo de loucura. Induzidos por todos os tipos de alucinógenos possíveis, os escritores passaram a fazer uma literatura que se enquadra perfeitamente na idéia de Foucault de que a loucura só é capaz de produzir a não-obra. Luzia de Maria, porém, passa ao largo destas preocupações. “Não me detive sobre a literatura contemporânea”, diz. É pena. Porque se a loucura foi usada, em determinado momento, para se fazer uma crítica à sociedade, hoje ela aparece perfeitamente agregada à literatura de aceitação. A loucura – quem diria? – se tornou a coisa mais normal do mundo.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Poema dos Loucos

Era meia noite, quando o sol brilhava no horizonte.
Um negro careca,com seus lindos cabelos louros, sentado num banco de madeira,feito de pedra, contemplava a beleza da natureza. Ao seu lado havia um cego que lia um jornal sem letras, enquanto olhava sua plantaçao de bacalhau. Bem na frente a sua retaguarda, voava a toda velocidade um grandioso jacaré, enquanto um volumoso elefante repousava à sombra de um pé-de-alface.
Um homem nu, mal vestido, segurando um ferro de borracha calado dizia: "prefiro morrer do que perder a vida". Ali perto, bem longe, havia um bosque onde as vacas pulavam de galho-em-galho, os pássaros pastavam alegremente, os elefantes rosas voavam. Existia um mudo que dizia: "a terra é uma esfera quadrada que gira parada em torno da lua e que navega num navio sem fundo, sobre as ondas de um poco sem águas". E tudo isso graças ao átomo de carbono, que fez a fotossintese dos verbos, que fez também a hibridizaçao dos logaritmos e a grande epidemia de malaria que atacou toda a tropa do barco de Cristovao Colombo no dia da descoberta do Brasil.

Os 50 artistas mais loucos segundo a revista Blender

Veja abaixo (em ordem decrescente) a lista completa:

50. Elton John (Consumidor de grandes proporções de cocaína, o cantor inglês casou-se com sua engenheira de som em 1984, negando que fosse gay.)

49. Britney Spears (Nova melhor amiga de Paris Hilton, foi fotografada sem calcinha na balada, logo depois de ter tido seu segundo filho. Rompeu com o marido por celular. Raspou a cabeça e fez duas novas tatuagens.)

48. R. Kelly (Astro do pop R&B, casou-se escondido com a cantora Aaliyah quando ela tinha 15 anos. Além do gosto por pornografia infantil, é conhecido por usar a mesma cueca por vários dias seguidos.)

47. Jim Morrison (O líder do The Doors casou-se com uma bruxa em Nova York. O casal bebeu o sangue um do outro em um ritual. Nos anos 60, abria as portas da percepção usando boas quantidades de LSD. Morreu na banheira em 1971, aos 27 anos.)

46. Sid Vicious (Bateu em fãs do Sex Pistols com uma guitarra em um show em 1978. Foi acusado de matar a namorada, Nancy Spungen, encontrada morta no banheiro. Morreu de overdose em 1979.)

45. James Taylor (O cantor e compositor internou-se em um hospital aos 17 anos com depressão e compôs as primeiras músicas durante o período em que esteve se tratando. Três anos depois de sair, deu entrada em um sanatório, época em que estava viciado em heroína.)

44. Chuck Berry (Processado por 60 mulheres que o acusaram de filmá-las no banheiro de seu restaurante no Missouri, defendeu-se alegando que elas – as “fãs” – é que teriam “posado” para ele.)

43. Mariah Carey (Dona de hábitos excêntricos, como cuspir chicletes nas mãos dos assistentes, a cantora recebeu US$ 5 milhões da gravadora para deixar a empresa.)

42. Little Richard (Um dos precursores do rock n’roll, renunciou à música devido aos sinais divinos. Foi preso diversas vezes por abuso de cocaína, ficou esquizofrênico e quase foi baleado.)

41. David Bowie (Pioneiro do glam-rock e adepto da cocaína. Nos anos 70, achou que satã estava em sua piscina em Los Angeles e encenou um exorcismo.)

40. Serge Gainsbourg (A obra do compositor francês inclui um dueto com a filha, Charlotte Gainsbourg, na época aos 14 anos, sobre incesto. “Há uma trilogia em minha vida, um triângulo eqüilátero de Gitanes [marca de cigarro], alcoolismo e garotas”, declarou.)

39. Miles Davis (Trumpetista viciado em heroína desde os anos 50, foi resgatado das ruas pelo músico Clark Terry. Infame espancador de mulheres.)

38. Carlos Santana (Adepto do ácido lisérgico, tocou guitarra em Woodstock pensando que fosse uma cobra. Disse que encontrou um anjo e ele tinha a cara de Papai Noel.)

37. Arthur Lee (Em 1968, ele e sua banda, Love, adotaram uma dieta de maconha, ácido e heroína para compor “Forever changes”. Foi para a cadeia e lá diz ter encontrado Deus.)

36. Elvis Presley (Usuário de anfetamina desde os tempos em que servia o exército, tomou 19 mil doses de pílulas prescritas por seu médico nos anos 70. Algumas semanas antes de morrer, ligou para o presidente americano Jimmy Carter dizendo que era perseguido por forças sinistras.)

35. Ian Curtis (Líder do Joy Division, sofria de epilepsia e tinha crises no palco. Na noite da primeira turnê americana da banda, enforcou-se na cozinha aos 23 anos.)

34. Lou Reed (Líder do Velvet Underground, seus pais o submetiam a sessões de eletrochoque porque pensavam que ele fosse gay. Em 1975, lançou “Metal machine music”, um álbum com quatro lados de barulho eletrônico inaudível.)

33. Sinéad O’Connor (A cantora recusou quatro indicações ao Grammy, defendeu o Exército Republicano Irlandês - IRA -, rasgou uma foto do Papa João Paulo II durante o programa “Saturday night live”.)

32. George Clinton (Criador dos grupos Parliament e Funkadelic nos anos 60, costumava pular de um caixão e encorajava outros músicos a simular sexo no palco.)

31. Lee “Scratch” Perry (Respeitado produtor de dub e reggae jamaicano, pôs fogo no próprio estúdio em 1980. Com apresentações marcadas no Brasil em 2002 – e ingressos esgotados – cancelou tudo na última hora, pois recusou-se a embarcar, alegando que o bilhete de avião estava amaldiçoado.)

30. Alexander “Skip” Spence (Co-fundador do Jefferson Airplane, viciado em drogas e esquizofrênico. Depois de um dia cheio de heroína, avançou sobre o baterista do Moby Grape, Don Stevenson, com um maçarico.)

29. Rick James (Produtor e compositor da Motown, usuário de cocaína nos anos 80, gastou quase US$ 2 milhões em drogas. Comprou uma jaqueta de US$ 28 mil e só mais tarde percebeu que não servia.)

28. Wendy O. Williams (Stripper e vocalista da banda punk Plasmatics, usava moicano e explodia equipamentos da banda durante os shows. Em 1991, passou a trabalhar com reabilitação de animais. Suicidou-se com um tiro em 1998.)

27. Keith Moon (Baterista do The Who, colocava pólvora no instrumento enquanto aparecia ao vivo na televisão, corria pelado em volta de ônibus com garotas colegiais, circulava pela área judia de Londres vestido em uniforme nazista. De tanto beber e usar drogas, morreu em 1978, ainda jovem.)

26. Iggy Pop (Foi um dos precursores do punk ao lado dos Stooges em 1967. Geralmente se cortava ou andava sobre cacos de vidro no palco.)

25. John Frusciante (Em 1992, o guitarrista do Red Hot Chili Peppers se afastou da banda porque vozes o aconselhavam a tomar heroína e cocaína. Foi o que ele fez pelos seis anos seguintes, até seus dentes caírem. Em 1998, completou o tratamento de reabilitação e voltou ao grupo.)

24. Capitain Beefheart (músico psicodélico, amigo de Frank Zappa, escrevia faixas de nomes estranhos como “Sorvete para os corvos”.)

23. G.G. Allin (conhecido por sua escatologia e violência, o roqueiro punk tentou fazer, em um show, sexo com um gato morto.)

22. Jerry Lee Lewis (um dos grandes nomes do rock chocou os EUA quando casou-se com sua prima de 13 anos, além de ter sido preso e casado com duas mulheres - tudo isso antes do 21 anos.)

21. Julian Cope (cantor inglês que adorava deuses nórdicos e se recusava a definir o calendário entre “antes de Cristo” e “depois de Cristo”.)

20. Ike Turner (ex-marido de Tina Turner, a quem batia freqüentemente, se casou 13 vezes em sua vida.)

19. Daniel Johnston (Músico americano que sofria de problemas psicológicos. Uma vez disse que seu pai, no momento em que pilotava um avião, era o próprio Diabo.)

18. Liza Minelli (um de seus casamentos acabou em uma ação de US$ 10 milhões em que o ex-marido dizia que ela só ficava sóbria o suficiente para espancá-lo.)

17. Jim Gordon (co-autor de “Layla”, sucesso com Eric Clapton. Matou a própria mãe.)

16. Sun Ra (pianista de jazz. Dizia que tinha vindo do planeta Saturno.)

15. Roky Erickson (fundador da banda psicodélica 13th Floor Elevators. Após passar anos em um sanatório, ligava rádios e TVs em sua casa no Texas para “abafar” vozes.)

14. Jaz Coleman (integrante do grupo Killing Joke. Fugiu para a Islândia para fugir do que pensava ser o “apocalipse”.)

13. Courtney Love (a viúva de Kurt Cobain tem no currículo uma série de prisões por arruaça e posse de remédios sem prescrição.)

12. Kevin Rowland (líder da banda Dexy’s Midnight Runners que, primeiro proibiu drogas no grupo, depois se viciou em cocaína e, mais tarde, mudou sua imagem aparecendo com um vestido e calcinhas brancas.)

11. Adam Ant (cantor inglês que, ao ser ironizado em um bar por seu chapéu, atirou uma peça de um carro pela janela.)

10. Ozzy Osbourne (o ex-cantor do Black Sabbath, entre outras maluquices, chegou a morder a cabeça de um morcego de verdade em um show.)

9. Ol’ Dirty Bastard (o rapper teve uma série de prisões por drogas e também é conhecido por declarações amalucadas.)

8. Euronymous (cantor de black metal norueguês comeu o pedaço do cérebro de um ex-companheiro de banda.)

7. Syd Barrett (o primeiro líder do Pink Floyd acabou virando um recluso por décadas após enfrentar problemas psicológicos.)

6. Peter Green (fundador do Fleetwood Mac que sofreu problemas psicológicos e deixou as unhas crescerem de tal forma que ele não pudesse voltar a tocar guitarra.)

5. Sly Stone (um dos grandes nomes do funk uma vez foi a Londres a dez minutos de uma apresentação na Holanda dizendo que precisava “fazer compras”.)

4. Whitney Houston (a cantora de “I will always love you” foi uma vez a Israel porque tinha direito a ser “judia honorária”.)

3. Axl Rose (o líder do Guns ‘N Roses, além de adiar indefinidamente o lançamento de “Chinese democracy”, tem uma coleção de ataques de “prima donna do rock”.)

2. Brian Wilson (o compositor dos Beach Boys, que sofre de paranóia e esquizofrenia, passou três anos em uma cama convencido que o produtor Phil Spector iria matá-lo.)

1. Michael Jackson (para bancar todas as maluquices converteu um patrimônio de US$ 750 milhões em um débito de US$ 180 milhões.)


Fonte: [http://g1.globo.com/Noticias/0,,MUL6697-7085-6637,00.html]

A Cura da Loucura ou A Loucura da Cura Psicanálise e o Movimento Antimanicomial

Nos últimos dez anos, o problema da instituição psiquiátrica tem sido discutido por diversos setores da sociedade brasileira. Tendo se iniciado com um posicionamento dos trabalhadores de saúde mental, em 1987 nasce o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, se posicionando no sentido de negar o manicômio como forma de tratamento e de propor novas alternativas terapêuticas ao indivíduo portador de transtornos psíquicos. A partir de então, tem participado de iniciativas políticas de elaboração e discussão de Projetos Legislativos e, em âmbito executivo, de ações governamentais em tentativas de se criar políticas de saúde mental que prestem ao portador de transtornos psíquicos o respeito e cidadania que merecem. Além disso, temos recebido a publicação de livros discutindo aspectos jurídicos e técnicos da loucura recolocando questões como a da imputabilidade e das internações involuntárias em manicômios judiciários,

“uma instituição dividida entre a saúde e a justiça, entre o tratamento e a penitência – dicotomia radical responsável por discussões que ultrapassam as questões acerca dos direitos e deveres do Estado ou de cada sujeito. São questões que envolvem a vontade, o desejo, as possibilidades e os limites do sujeito.” (Battaglia, 1999, p. 18)

Por outro lado, percebemos que a população em geral ainda não conhece os termos tão bem discutidos a nível técnico. Ainda é difícil para pessoas que não vivem com a loucura dentro do círculo familiar aceitar idéias como a do fim do manicômio. A instituição da sociedade que poderia e deveria funcionar como meio de comunicação tem passado informações, no mínimo, equivocadas em relação ao tema. Se no início do movimento antimanicomial a imprensa teve um papel fundamental ao veicular histórias e imagens da barbárie que acontecia dentro dos muros do hospício, hoje tem contribuído para uma grande confusão de conceitos fora destes muros. Temos assistido paulatinamente a matérias que apresentam psicopatas como o ‘Maníaco do Parque’ e o ‘Estudante do Cinema’ como doentes mentais que apenas “fomentam a desinformação e reforçam preconceitos que atingem milhões de portadores das mais diversas doenças mentais de natureza não agressiva e anti-social” (Barros, 1999).

É na tentativa de ser uma contribuição a discussão antimanicomial e de, ao mesmo tempo, chamar a academia a assumir sua posição de formadora de opinião, que apresentamos esse trabalho. Pretendemos mostrar como a história do movimento esteve ligada e tem suas semelhanças com a história da psicanálise e a ajuda que a psicanálise presta a formação de significado da experiência do louco. Mas, antes disso, voltemos a quem é, na atualidade, base teórica para toda discussão acadêmica sobre loucura.

Michel Foucault (1926-1984), em seu História da Loucura na Idade Clássica (1972) nos mostra como a loucura substituiu a lepra como principal objeto de exclusão e supressão de elementos desta sociedade. Precisava-se de outro fenômeno que seria seu novo ‘bode expiatório’.

“Esse fenômeno é a loucura. Mas será necessário um longo momento de latência, quase dois séculos, para que esse novo espantalho, que sucede à lepra nos medos seculares, suscite como ela reações de divisão, de exclusão, de purificação que no entanto lhe são aparentadas de uma maneira bem evidente. Antes de a loucura ser dominada, por volta da metade do século XVII, antes que se ressuscitem, em seu favor, velhos ritos, ela tinha estado ligada obstinadamente, a todas as experiência maiores da Renascença.” (Foucault, 1972, p. 8)

Foucault, então, passa a descrever notoriamente um objeto do universo imaginário do homem renascentista, a Nau dos Loucos. Toda a realidade e simbolismo da Nau dos Loucos é apontada para o caráter desconfortante e sempre presente do louco na Renascença. Mas não é esse o enfoque que queremos dar ao simbolismo renascentista.

Foucault cita um quadro de Hieronymus Bosch[1] baseado nesta concepção da Nau dos Loucos e outro quadro chamado A Cura da Loucura (1475-1480). O subtítulo do segundo, Extração da Pedra da Loucura, faz referência a um

“recurso ‘terapêutico’ razoavelmente comum na Idade Média. Entretanto, Bosch pintou uma flor como o objeto que está sendo removido. A flor é uma tulipa que, nos Países Baixos é uma metáfora para ser louco. É comum para alguém em estado de loucura ser chamado de ‘cabeça de tulipa’.” (Web Gallery of Art, 1996)

Gostaríamos de usar essa imagem para ilustrar nossa discussão da loucura como não sendo uma doença e da tese que a busca pela ‘cura’ da loucura nos afasta de outro aspecto: que a loucura já contém em si a própria cura.

‘Formas de tratamento’ como a do quadro não foram específicas de seu tempo como sabemos por diversas descrições do interior dos manicômios. Hoje, não se tenta ‘tirar pedras da loucura’, mas pode-se dizer que ‘joga-se pedras’ na cabeça dos loucos com os tratamentos a base de neurolépticos (sedativos do Sistema Nervoso Central), eletrochoques (verdadeiros ‘curtos-circuitos’ cerebrais), insulinoterapia (deixa o paciente em coma) e ‘em último recurso’ a lobotomia, como se a morte, destino da maioria dos internos, não fosse o último recurso’. Já passamos por várias tentativas de se reformar a instituição psiquiátrica e continuamos a buscar as causas das tais doenças mentais. Tem-se usado o fato de medicamentos tornarem a vida dos ‘doentes’ mais tolerável como argumento de que existe uma causa orgânica para todos os males mentais e que é apenas uma questão de tempo para se chegar a tais causas. Mas, tais medicamentos apenas atuam sobre efeitos do efeito e na maioria dos casos apenas aliena mais ainda a personalidade do indivíduo quando não a nega totalmente, no caso da ‘terapêutica’ do manicômio.

Mas, nem sempre foi assim. No mundo antigo e ainda na Idade Média “o louco era alvo de certo temor, de um terror sagrado. [...] Até ao Século da Razão, a loucura encontrava-se mais ou menos associada à vida pública ou, em rompimento com esta, associada a uma ordem sagrada” (Bosseur, 1976 [1974], p. 26). Sabemos por Foucault, como já havíamos dito, que essa perspectiva se altera no séc. XVII quando são criadas as primeiras instituições asilares onde os párias da sociedade, incluindo-se ali os loucos, eram presos. Com a Revolução Francesa (e todo o seu contexto político), aparece Philippe Pinel e seu ‘tratamento moral sem correntes’, mas ainda cerrados dentro dos muros do manicômio.

Apenas no século XIX surge a psiquiatria.

“Kraepelin [1856-1926] vai apresentar [1893-1899] ... minuciosas descrições clínicas de jovens esquizofrênicos (o termo ‘esquizofrenia’, aliás, só será proposto mais tarde, por Bleuler, em 1911) [...]: perturbações da associação de idéias (dissociação, discordância), da afetividade (desestima, indiferença) e dos contatos com o mundo exterior (recusa de contato, autismo). [...] A psiquiatria clássica ainda se refere a essas noções.” (Bosseur, 1976 [1974], p. 27)

Com o surgimento da psicanálise, muito do que era considerado ininteligível ou simplesmente ignorado pela ciência médica da época foi levado a sério por Freud. Ele tentava compreender o significado dos sintomas histéricos, de fobias e neuroses. “Uma série de fenômenos de nossa vida psíquica adquiria sentido: os atos falhos, os esquecimentos, os sonhos. O inconsciente impunha-se como um outro componente do nosso psiquismo – tal como a dinâmica libidinal” (Bosseur, 1976 [1974], p. 94).

É aqui que podemos apontar para algumas semelhanças da história da psicanálise com as origens do Movimento Antimanicomial. Este movimento está intimamente ligado com o trabalho de Franco Basaglia na Itália e este se identifica com todo um ‘discurso antiinstitucional, antipsiquiátrico (isto é, antiespecialístico)’ (Basaglia, 1985 [1968], p. 9), mas vai além desse como o próprio Basaglia alerta em seu A instituição negada. Mas a importância do movimento antipsiquiátrico é sempre citada por todos que se aventuram pelos conceitos e terapêuticas da loucura. Em Introdução a Antipsiquiatria, Chantal Bosseur afirma ‘o método de Freud e o dos antipsiquiatras têm numerosas analogias” (Bosseur, 1976 [1974], p. 94). O que Freud fez com os histéricos, os antipsiquiatras fizeram com os esquizofrênicos. O meio médico não suportava, ou mais, não procurava compreender os histéricos. A família, a comunidade e o meio médico suportam tão mal os psicóticos, e quando o suportam, não o compreendem. Os antipsiquiatras passaram a levar a sério e procurar entender sua experiência (conceito fenomenológico fundamental para se entender o trabalho dos antipsiquiatras se contrapõe ao conceito de comportamento da psicologia experimental).

Segundo Bosseur, os principais representantes da antipsiquiatria inglesa, Ronald Laing, David Cooper e Esterson se submeterama psicanálise, mas não se tornaram psicanalistas (Bosseur, 1976 [1974], p. 49). Mesmo com todas as críticas que fazim direcionadas a psicanálise, principalmente quando ligada a psicopatologia, o método de Freud os influenciou profundamente. A teoria passa por um reexame, mas não é rejeitada, por outro lado, o processo de ‘cura’ analítica, pelo caracter dialético da transferência, será sempre usado por Laing. A articulação entre Freud e Laing é feita principalmente por Malanie Klein e sua escola. A compreensão das psicoses de adultos tornava-se possível graças às descobertas feitas a partir da psicanálise de crianças.

Freud evitou ao máximo entrar na teorização sobre as psicoses, mas quando Jung (1912) questionou a aplicabilidade da teoria da libido para explicar as doenças como a esquizofrenia ele se viu “obrigado a entrar nessa última discussão, da qual gostaria de ter sido poupado” (Freud, 1914, p. 96). Em seu artigo Sobre o Narcisismo: Uma Introdução, apresenta o conceito de narcisismo para explicar o afastamento por esquizofrênicos da realidade. Um narcisismo primário e normal que seria o complemento libidinal do egoísmo devido ao instinto de autopreservação. Freud afirmava que parecia que o parafrênico (termo preferido por ele aos esquizofrêncicos) retirava sua libido de outras pessoas e coisas do mundo externo, sem substituí-las por outras nas fantasias. Em conseqüência deste desvio de seu interesse do mundo externo, eles “se tornam inacessíveis à influência da psicanálise e não podem ser curados por nossos esforços” (Freud, 1914, p. 90). Entretanto, neste artigo tão importante para o desenvolvimento da teoria freudiana ele reconhece que este afastamento ainda precisaria ser melhor caracterizado. Uma década depois, Freud escreve dois artigos, Neurose e Psicose e A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose, onde aprofunda na etiologia das psicoses e neuroses e na diferenciação entre as duas.

Como comentamos acima, os antipsiquiatras contestam esse caráter patogênico. Todas as grandes figuras deste movimento tinham um histórico de questionamento político e humano:

“Todos os contestadores eram, aliás, marcados por uma trajetória que ia da luta anticolonial ao transculturalismo, passando pelo engajamento militante. Gregory Bateson era antropólogo, David Cooper era psiquiatra e havia combatido o apartheid na África do Sul, Franco Basaglia era membro do Partido Comunista Italiano. Quanto a Ronald Laing, havia se tornado psicanalista depois de ter praticado a psiquiatria na Índia, no exército britânico.” (Roudinesco (org.), 1994, p. 12)

Foucault, por outro lado, era um teórico, um filósofo, nunca havia vivido entre os loucos, mas compartilhava com os antipsiquiatras da idéia que os loucos não sofrem de uma doença mas sim, de opressão de uma sociedade que não os compreende.

“Para esses rebeldes, a loucura não era absolutamente uma doença, mas uma história: a história de uma viagem, de uma passagem ou de uma situação, das quais a esquizofrenia era a forma mais aperfeiçoada, poque traduzia em uma resposta delirante o desconforto de uma alienação social ou familiar.” (Roudinesco (org.), 1994, p. 12)

Ao longo dos anos após sua publicação, o livro de Foucault foi alvo de inúmeras críticas. Psiquiatras, psicólogos e historiadores da psicopatologia não aceitavam a idéia de verem um de seus principais objetos de estudo ser descrito não como “um fato de natureza mas de cultura” (Roudinesco (org.), 1994, p. 15). Porém, várias destas discussões apresentaram argumentos importantes ao conceito de loucura. Filósofos e historiadores apresentaram argumentos interessantes quanto a visão de Freud na obra de Foucault. No livro Foucault: leituras da história da loucura são reunidos ensaios apresentados no IX Colóquio da Sociedade de História da Psiquiatria e da Psicanálise, que teve como tema a História da loucura, trinta anos depois. Nele podemos verificar uma parte da controvérsia em torno do Cogito de Descartes, centrada principalmente na figura de Jacques Derrida e a contribuição do próprio Derrida ao colóquio, desta vez, não mais sobre o Cogito mas sobre as visões de Freud e da psicanálise na obra de Foucault.

Um nível além da discussão sobre Foucault e em conjunto com os antipsiquiatras vem a possibilidade de cura da loucura. Quando se acredita que a loucura é um sintoma de uma alteração biológica inerente a pessoa, a cura é uma impossibilidade virtual. Concordamos que uma parte das pessoas com distúrbios psíquicos realmente sofem uma alteração do Sistema Nervoso, quando esta é presente ou latente desde o nascimento. Nestes casos poderíamos até mesmo falar de cura, quando lembramos o quanto o cérebro pode ser desenvolvido e modelado pela aprendizagem. Talvez, então, não seriam tão inacessíveis assim a psicanálise e a (re)-construção psíquica de si mesmos.

Mas, tão ou mais importante que as alterações biológicas são os casos nos quais a psicose é uma reação do indivíduo a uma realidade sufocante e alienante. Nos estudos apresentados pelos antipsiquiatras verifica-se que a chamada ‘doença mental’ poderia ser muito bem compreendida como uma reação a um ambiente que poderíamos dizer mais ‘doente’ que o ‘doente mental’. Podemos perceber aqui como esta reação é perfeitamente inteligível dentro do sistema e pode atuar como a ‘cura’ de um processo anterior que poderia ser considerado patogênico. Certamente neste tipo de estudo a contribuição da psicologia sistêmica seria muito apreciada para se estudar o desenvolvimento do indivíduo e do microcosmo familiar enquanto sistemas.

Esta tese não corrobora, muito antes pelo contrário, a tese que os ‘doentes mentais’ não tem responsabilidade por seus atos. Seguindo os preceitos de Thomas Szasz, os psicóticos que infrigem a lei o fazem tendo consciência de seus atos. É a motivaçãomoral e legal que os levou a cometer um crime que deve ser julgada pela sociedade.

Nesta mesma perspectiva, da loucura como cura, não podemos deixar de comentar a abordagem deste fenômeno feita pela psicologia transpessoal. Integrando conceitos da antropologia, da tanatologia, mitologia e religião comparada, sua prática diária envolve estados mentais incomuns que a psiquiatria tradicional diagnostica e trata como distúrbios mentais.

“Quando entendidas adequadamente e tratadas de maneira compeensiva, em vez de suprimidas pelas rotinas psiquiátricas padronizadas, essas experiências podem ter um efeito de cura e produzir efeitos benéficos nas pessoas que passam por elas. Esse potencial positivo é expresso pelo termo emergência espiritual, que é um jogo de palavras, sugerindo tanto uma crise [emergência no sentido de ‘urgência’], como uma oportunidade ascensão a um novo nível de consciência [emergência como ‘elevação’]”. (Grof & Grof, 1989, p. 11)

Ao que tudo indica, o tema loucura ainda será objeto de acaloradas discussões filosóficas, políticas e técnicas. A Universidade pode e deve contribuir para maior elucidação neste campo. Um esforço conjunto da área psiquiátrica, psicanalítica e psicológica é essencial para a compreensão deste fenômeno tão presente em nossa vida, que quanto mais energia gastamos para recalcá-lo maior é a força com a qual retorna.


Bibliografia

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BOSSEUR, Chantal. Introdução à antipsiquiatria. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976 [1974].

FREUD, Sigmund. Sobre o Narcisismo: Uma Introdução. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976 [1914]. Vol. XIV. p. 89-119.

FREUD, Sigmund. Neurose e Psicose. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976 [1924]. Vol. XIX. p. 189-193.

FREUD, Sigmund. A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976 [1924]. Vol. XIX. p. 229-234.

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GROF, Stanislav & GROF, Christina. Emergência Espiritual – Crise e Transformação. São Paulo: Cultrix, 1989.

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(O servidor desta página está com problemas. Acesse este backup da internet: http://web.archive.org/web/www.movimentoantimanicomial.org.br/capa.htm)

ROUDINESCO, Elisabeth (org.).Foucault: leituras da história da loucura. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

SZASZ, Thomas. O Mito da Doença Mental. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.

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WHITAKER, Randall. Autopoiesis and Enaction: Observer Web. [online] Disponível na internet via WWW. URL: http://www.enolagaia.com/AT.html. 1997 [1996].

Arte e loucura

Para ser pintor, precisa ter cabeça muito boa, auto-segurança. Precisa agüentar ser chamado de louco sem se perturbar. Essa história de chamar artista de doido começou com a burguesia. Para o burguês, o que não for dinheiro é doidice. Para o poeta português Fernando Pessoa, existiam três classes: a ralé, que só pensa em dinheiro; uma classe intermediária, digamos classe média, cuja meta principal é o poder; e finalmente o que ele chama de aristocracia, voltada para a beleza. Não queria entrar em águas tão fundas, mesmo porque não tomo pé; não me lembrando se o poeta chegou a discutir o que cada uma dessas primeiras duas classes tinham como ideal de beleza, podendo significar, a beleza, tanto para a ralé como para o burguês, o dinheiro, por exemplo; podendo-se perguntar se dinheiro não gera poder ou vice-versa; ou se não tinham ideal nenhum, o que é mais plausível. Comparar arte e loucura devia ser crime inafiançável, tentativa de assassinato, sujeito a pagamento de indenização por danos morais. Quem confunde arte com loucura nunca viu um louco nem um artista. Loucura é inércia, é ausência, é oclusão mental, é doença séria, não dá para fazer comparação. Quando Van Gogh ficava louco não fazia nada, ficava inerte num canto, não tugia nem mugia, não pintava, não cortava a orelha, nem sabia que era Van Gogh. Arte é saúde, é acuidade, é inteligência. A loucura veda ao paciente a prática da arte. O louco não tem acesso ao mundo real ou mundo objetivo, não tem como apanhá-lo, é incapaz de discerni-lo, quanto mais de reconstruí-lo ou recriá-lo num todo orgânico que é o que se exige da obra de um artista, não bastando uma ou outra pontada alardeada como genial pelos sãos, tanto que Picasso disse: “Se as maçãs de Cézanne não tivessem sido pintadas por Cézanne não tinham a menor importância”. Arte e loucura são fenômenos excludentes, são seres antagônicos, são substâncias que se repelem. Chamar um artista ou cientista de louco só é cabível como metáfora, como figura de retórica: mas não que se vá manter empalhado num museu de zoologia algum ser humano por ter sido chamado de águia ou de raposa.
Para ser pintor, precisa ter cabeça muito boa, auto-segurança. Precisa agüentar ser chamado de louco sem se perturbar. Essa história de chamar artista de doido começou com a burguesia. Para o burguês, o que não for dinheiro é doidice. Para o poeta português Fernando Pessoa, existiam três classes: a ralé, que só pensa em dinheiro; uma classe intermediária, digamos classe média, cuja meta principal é o poder; e finalmente o que ele chama de aristocracia, voltada para a beleza. Não queria entrar em águas tão fundas, mesmo porque não tomo pé; não me lembrando se o poeta chegou a discutir o que cada uma dessas primeiras duas classes tinham como ideal de beleza, podendo significar, a beleza, tanto para a ralé como para o burguês, o dinheiro, por exemplo; podendo-se perguntar se dinheiro não gera poder ou vice-versa; ou se não tinham ideal nenhum, o que é mais plausível.
O artista continuou a existir mesmo desempregado, mesmo tido como louco. Com a distância entre o artista e o novo mundo instalado pela burguesia, o burguês cada dia entendia menos, por não conviver, por não acompanhar a linguagem do artista, linguagem que seguia o seu curso natural. Essa distância deu lugar ao lance do “épater le bourgeois”, espantar o burguês, muito em moda até hoje. Um pintor, um escritor, a quem já não podia satisfazer o lugar-comum e que procurava uma forma pessoal de exprimir-se, incorporando à sua arte as experiências de outros povos, por exemplo, agora ao seu alcance, ou assumindo postura mais condizente com o mundo atual, parecerá louco ou espertalhão, causará esse espanto.
Uma tentativa de fazer do artista um sujeito normal seria botá-lo para trabalhar, produzir algo de útil, servindo aos novos senhores, fabricando embalagens, dedicando-se à estamparia, emblemas, propaganda, arrumação de prateleiras de supermercado, até fazendo desenho de navio e avião, casas, edifícios, carros, numa reintegração como a que ocorrera na época do Barroco, desde as fachadas das igrejas às casulas e navetas, como queria a Bauhaus, Alemanha, 1919, escola dirigida pelo arquiteto Walter Gropius, a chamada “arte funcional”, batizando-se de designer o novo artista. Cito sempre o caso do pernambucano Aloísio Magalhães. Ele compartilhou essa idéia, de o artista servir à indústria e ao comércio, aos bancos, às empresas, como antes servia à Igreja e à nobreza, empenhando-se tanto nisso a ponto de fundar a até hoje respeitada Escola Superior do Design, no Rio de Janeiro. Mas no final da vida, curta pelo muito que ainda podia fazer e parecendo longa pelo muito que fez, tinha voltado a desenhar coqueiros no fundo do quintal aqui em Olinda, a lápis, reaprendendo a desenhar para si. Perguntado pelo amigo Joaquim Falcão sobre o design, respondeu: “Nunca mais”.

Quer dizer, por enquanto o artista continuará desempregado. E louco. Desempregado de fato e louco aos olhos dos filisteus.