sexta-feira, 1 de maio de 2009

O ópio ideológico

A trajetória intelectual de Sartre e sua biografia são, sem dúvida, uma fonte preciosa para quem tenta compreender os paradoxos e confusões que marcaram o conturbado século 20. Na vida e na obra do pensador francês, teoria e ideologia, tendo saído de uma só cabeça, parecem pertencer a pelo menos dois homens diferentes. Sua trajetória como intelectual público e engajado começa com obras que defendem de forma intransigente a liberdade do homem; e termina, paradoxalmente, com a defesa de regimes autoritários como os de Stalin e Mao Tsé Tung. Chegou a afirmar, após uma viagem à URSS stalinista, que naquele País a liberdade de crítica era total; e, na famosa polêmica travada com Albert Camus, justificou os campos de concentração soviéticos em nome de uma sociedade sem classes.

Seu maior adversário intelectual, Raymond Aron, nascido no mesmo ano de 1905, pode ser visto como a antítese de quase tudo o que Sartre representou. Ambos se formaram na célebre Escola Normal Superior de Paris durante os anos 20 e foram completar os estudos filosóficos na Alemanha, nos anos 30. Depois, romperam as relações: não havia outro destino para cabeças tão divergentes. Sartre representava a revolta, a insatisfação e a juventude – causas “poéticas” que o tornaram um ícone dos movimentos contestatórios. Como bem escreveu Roberto Pompeu de Toledo, mesmo quem não lia Sartre estava impregnado por seu pensamento. Aron, por outro lado, sempre foi um reformista e um crítico profundo e embasado de todas as ideologias totalitárias. Sua obra mais conhecida, L’Opium des intellectuels (O Ópio dos Intelectuais), foi um verdadeiro bombardeio teórico contra os pensadores pró-soviéticos. Aron foi um defensor ferrenho da doutrina liberal, da democracia, da cultura ocidental, da Aliança Atlântica (com os EUA) e do livre-mercado – logicamente, tais posições lhe renderam bem mais detratores do que partidários.

Em artigo recente sobre o centenário de Sartre e Aron, publicado no jornal espanhol El País, o escritor peruano Mario Vargas Llosa lançou uma questão intrigante: como alguém que defendeu tantas causas equivocadas e tantas ideologias perversas pode ter sido considerado por tantos a “consciência moral” de toda uma época? E como o outro - Aron -, que defendeu tenaz e coerentemente a causa da liberdade, pode ter sido tão vilipendiado? A imprensa esquerdista da França, sectária como poucas, cunhou uma frase que pode ser a solução do enigma proposto por Llosa: .Mais vale estar equivocado com Sartre do que ter razão com Aron.. Por se colocar ao lado dos argelinos na guerra pela independ ência, Aron foi hostilizado também pela direita.

Para tentar compreender o que transformou um filósofo de profunda inclinação libertária em um pensador doutrinário, podemos analisar um aspecto que perpassa fortemente as suas obras, principalmente as primeiras: um pessimismo com forte teor niilista. Sartre, por exemplo, em um interessante ensaio sobre o tema hegeliano do Senhor e do Escravo, escreve: “Quando vejo o outro, tento submetê-lo, objetivá-lo, convertê-lo em um ser-em-si para obrigá-lo a aceitar o meu senhorio sobre a realidade. Mas o outro é também um ser-para-si e se opõe a minha pretensão, criando uma luta que faz com que as relações humanas terminem em fracasso, porque buscam algo impossível”. A crença de que o inferno são os outros e de que a vida social é impraticável pode ter levado Sartre a uma beco sem saída filosófico - do qual só pôde escapar através de uma fé cega em ideologias historicistas que prometiam a salvação e a redenção de todos os homens. E o que é ideologia? “É uma tripla isenção - dirá outro pensador francês, Jean-François Revel -, isenção intelectual, isenção da prática e isenção moral”.


Raymond Aron seguiu toda a vida um caminho mais crítico: foi um dos poucos intelectuais do seu tempo que conseguiu enxergar as ideologias e os sistemas filosóficos apenas como elaborações teóricas que só são perfeitas em si mesmas, mas que, em contato com o Real, perdem sua aparente infalibilidade – a realidade parece querer sempre escapar às nossas idéias: “Todo regime conhecido é torpe e culpável se o comparamos com um ideal abstrato de igualdade ou liberdade”. Allan Bloom, pouco tempo após a morte de Aron, escreveu: “Esse foi o homem que vinha tendo razão durante 50 anos. Teve razão nas alternativas políticas que tínhamos à nossa frente; teve razão no que disse sobre Hitler e Stalin; e teve razão quando disse que nossos regimes ocidentais, com todos os seus defeitos, eram a única esperança da humanidade”.

Sartre e Aron viveram e pensaram a mesma época e cada um buscou afirmar a própria idéia de um mundo mais justo diante das circunstâncias. A grande diferença entre eles é que Aron manteve sempre a razão alerta e o senso crítico aguçado; Sartre, sempre festejado pelos rebeldes com e sem causa, padeceu de embriaguez ideológica e acabou por submeter a razão a modismos intelectuais e doutrinários. Sua vida, como ele bem o disse, pode não ter passado de uma paixão inútil.

A compreensão da razão do nascer, viver e morrer – de existirmos.

Quando da primeira respiração choramos; à infância somos castigados por tirarmos notas baixas nas escolas de boletins fajutos; ao saber que chegamos à idade adulta – não necessariamente amadurecidos, pagamos impostos aviltantes, elegemos políticos corruptos para nos dirigir e a Nação, acreditamos em demônios – que são os outros. E, por fim, nos preparamos para morrer dignamente. Imaginem! Velhos gulosos, arengueiros, metidos a sábios do que nunca aprenderam, esperando livrar-se, ao menos, do sepultamento em covas rasas e indigentes, ou pior, tarjados de um “aqui jaz” mais um deprimido barnabé aposentado com um salário mínimo – eis o fim do poço.

E o velho mestre Sartre ainda levantou a bola filosófica do existencialismo, do sentido e fingido, que, segundo Gide, são dois sentimentos que já não se confundem, mas quase se confundem. Desse modo, possivelmente temos de escolher, tal Mathieu comentou: não ser nada ou fingir o que se é.
Se para a crendice católica e seguidores de linhas diversas e concernentes, testamenteiros da criação do mundo, Deus criou o homem à sua Imagem e Semelhança; tirou-lhe uma costela e da mesma fez a mulher, sugerindo-lhes a procriação direcionada para povoar a Terra; ditou os Dez Mandamentos nas tábuas de Moisés para serem aprendidos e cumpridos pela humanidade. E depois mandou Jesus Cristo para dar exemplo de sacrifício aos seres humanos, ensinando-lhes obediência ao Pai supremo, a paz entre os povos, a negação às guerras e aos pecados capitais...

Para outras linhas religiosas somente Deus existe. Ainda esperam pela vinda do Salvador – quando serão desvendados o início, o meio e talvez o fim da Terra, os fingimentos dos homens e mulheres, suas bondades e maldades e a morte.
No cientificismo, dentre as vias da física clássica e moderna – quântica, ótica, molecular, até a muscular e outros bichos, o filão de ouro ficou por conta da física de Einstein, para quem o tempo é uma variável, dependendo de quem observa e marca tempos diferentes para a mesma coisa – chose de loque. Os cientistas (nem sempre loucos) apostam no Big Bang como a razão do feitio do Universo – a explosão de uma contração de massas e vai por aí.

Após tantas confusões, prefiro acreditar que Deus mandou para nossa Terra uma porção de naves cheias de homenzinhos amarelinhos extraterrestres, de cabelos em pé e olhinhos rasgados, que escreviam de trás pra frente em desenhos e hieróglifos. Noutras iguais, balaios de mulheres, todas cobertas de turbantes e burkas. E juntos, danaram-se a transar e fazer filhos como coelhos. Tirante a miscigenação, inventaram o papel, a roda, as armas, o rádio de pilha, um celular deste tamanhinho e se matam como bombas humanas por amor aos seus deuses ou imperadores ou governantes tirânicos.
E ainda se diz que o existencialismo é um humanismo.