quarta-feira, 29 de abril de 2009

Arte e loucura

Para ser pintor, precisa ter cabeça muito boa, auto-segurança. Precisa agüentar ser chamado de louco sem se perturbar. Essa história de chamar artista de doido começou com a burguesia. Para o burguês, o que não for dinheiro é doidice. Para o poeta português Fernando Pessoa, existiam três classes: a ralé, que só pensa em dinheiro; uma classe intermediária, digamos classe média, cuja meta principal é o poder; e finalmente o que ele chama de aristocracia, voltada para a beleza. Não queria entrar em águas tão fundas, mesmo porque não tomo pé; não me lembrando se o poeta chegou a discutir o que cada uma dessas primeiras duas classes tinham como ideal de beleza, podendo significar, a beleza, tanto para a ralé como para o burguês, o dinheiro, por exemplo; podendo-se perguntar se dinheiro não gera poder ou vice-versa; ou se não tinham ideal nenhum, o que é mais plausível. Comparar arte e loucura devia ser crime inafiançável, tentativa de assassinato, sujeito a pagamento de indenização por danos morais. Quem confunde arte com loucura nunca viu um louco nem um artista. Loucura é inércia, é ausência, é oclusão mental, é doença séria, não dá para fazer comparação. Quando Van Gogh ficava louco não fazia nada, ficava inerte num canto, não tugia nem mugia, não pintava, não cortava a orelha, nem sabia que era Van Gogh. Arte é saúde, é acuidade, é inteligência. A loucura veda ao paciente a prática da arte. O louco não tem acesso ao mundo real ou mundo objetivo, não tem como apanhá-lo, é incapaz de discerni-lo, quanto mais de reconstruí-lo ou recriá-lo num todo orgânico que é o que se exige da obra de um artista, não bastando uma ou outra pontada alardeada como genial pelos sãos, tanto que Picasso disse: “Se as maçãs de Cézanne não tivessem sido pintadas por Cézanne não tinham a menor importância”. Arte e loucura são fenômenos excludentes, são seres antagônicos, são substâncias que se repelem. Chamar um artista ou cientista de louco só é cabível como metáfora, como figura de retórica: mas não que se vá manter empalhado num museu de zoologia algum ser humano por ter sido chamado de águia ou de raposa.
Para ser pintor, precisa ter cabeça muito boa, auto-segurança. Precisa agüentar ser chamado de louco sem se perturbar. Essa história de chamar artista de doido começou com a burguesia. Para o burguês, o que não for dinheiro é doidice. Para o poeta português Fernando Pessoa, existiam três classes: a ralé, que só pensa em dinheiro; uma classe intermediária, digamos classe média, cuja meta principal é o poder; e finalmente o que ele chama de aristocracia, voltada para a beleza. Não queria entrar em águas tão fundas, mesmo porque não tomo pé; não me lembrando se o poeta chegou a discutir o que cada uma dessas primeiras duas classes tinham como ideal de beleza, podendo significar, a beleza, tanto para a ralé como para o burguês, o dinheiro, por exemplo; podendo-se perguntar se dinheiro não gera poder ou vice-versa; ou se não tinham ideal nenhum, o que é mais plausível.
O artista continuou a existir mesmo desempregado, mesmo tido como louco. Com a distância entre o artista e o novo mundo instalado pela burguesia, o burguês cada dia entendia menos, por não conviver, por não acompanhar a linguagem do artista, linguagem que seguia o seu curso natural. Essa distância deu lugar ao lance do “épater le bourgeois”, espantar o burguês, muito em moda até hoje. Um pintor, um escritor, a quem já não podia satisfazer o lugar-comum e que procurava uma forma pessoal de exprimir-se, incorporando à sua arte as experiências de outros povos, por exemplo, agora ao seu alcance, ou assumindo postura mais condizente com o mundo atual, parecerá louco ou espertalhão, causará esse espanto.
Uma tentativa de fazer do artista um sujeito normal seria botá-lo para trabalhar, produzir algo de útil, servindo aos novos senhores, fabricando embalagens, dedicando-se à estamparia, emblemas, propaganda, arrumação de prateleiras de supermercado, até fazendo desenho de navio e avião, casas, edifícios, carros, numa reintegração como a que ocorrera na época do Barroco, desde as fachadas das igrejas às casulas e navetas, como queria a Bauhaus, Alemanha, 1919, escola dirigida pelo arquiteto Walter Gropius, a chamada “arte funcional”, batizando-se de designer o novo artista. Cito sempre o caso do pernambucano Aloísio Magalhães. Ele compartilhou essa idéia, de o artista servir à indústria e ao comércio, aos bancos, às empresas, como antes servia à Igreja e à nobreza, empenhando-se tanto nisso a ponto de fundar a até hoje respeitada Escola Superior do Design, no Rio de Janeiro. Mas no final da vida, curta pelo muito que ainda podia fazer e parecendo longa pelo muito que fez, tinha voltado a desenhar coqueiros no fundo do quintal aqui em Olinda, a lápis, reaprendendo a desenhar para si. Perguntado pelo amigo Joaquim Falcão sobre o design, respondeu: “Nunca mais”.

Quer dizer, por enquanto o artista continuará desempregado. E louco. Desempregado de fato e louco aos olhos dos filisteus.

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