quinta-feira, 30 de abril de 2009

Boataria na web

A mensagem urge na tela do computador: “A CNN já fez o alerta. Por favor, repasse esta mensagem para todos que você conhece”. O assunto não importa: um virulento programa que destrói seu computador, bebidas drogadas por traficantes de órgãos, uma catástrofe que não pode mais ser evitada, vítimas de guerra que precisam de ajuda, ingredientes cancerígenos no seu enlatado predileto, experiências genéticas em animais fofinhos, uma conspiração política, ou próximo atentado terrorista.

Ao longo dos séculos, a imaginação humana tem gerado toda a sorte de boatos, fantasiosos ou não. Anos atrás, através do boca-a-boca, propagavam histórias como a loura do Escort que caçava pretendentes desavisados madrugada adentro, da popular tela cujo pintor fez um acordo com o diabo. Antes ainda, havia o papa-figo solto pelo Recife e a moça emparedada na rua Nova; os túneis secretos de Olinda; crocodilos nos esgotos de Nova York; cadáveres no reservatório d’água do Rio de Janeiro. E quanto àquele vinil que, girado ao contrário, amplifica conjurações satânicas? O ingrediente secreto da Coca-Cola? Ou a receita dos hambúrgeres do McDonald’s? O que há do lado de dentro da boneca Barbie? Paul McCartney realmente está morto? Lendas infinitas, que renderiam um belo retrato dos desejos, medos e delírios do homem contemporâneo.

Eis que hoje a boataria é digital. Basicamente, elas podem ser divididas entre trumors e hoaxes, dois novos verbetes em nosso linguajar contemporâneo. Trumor (true + rumor) é uma notícia verdadeira ou que se torna verdade após sua circulação (uma mentira repetida mil vezes se torna verdade). Já o hoax (literalmente, “embuste”, com derivação da expressão hocus pocus) tem alto poder de convencimento e objetiva iludir o maior número de pessoas com informações falsas. Entre eles, o que há em comum é a forma epidêmica com que são propagados pela rede mundial e os elementos que caracterizam os boatos – de acordo com o dicionário, “notícia de fonte desconhecida, muitas vezes infundada, que se divulga entre o público”. Ou seja, o bom e velho zunzunzum.

O fato é que, na internet, os rumores adquiriram alcance epidêmico. Como no caso da notícia veiculada pelo canal pago Globonews, de que um avião da empresa aérea Pantanal teria caído na Zona Norte de São Paulo. De fato, as imagens mostravam muita fumaça, mas nada de avião. Em pouco tempo, a verdade surge e ridiculariza nosso glorioso e mal-apurado jornalismo control C + control V (copie e cole): era nada mais do que um incêndio numa fábrica de colchões. Tarde demais: a “barriga” já tinha sido propagada pelos portais UOL, Terra, iG, e os jornais eletrônicos por eles hospedados, como a Folha Online e o Estadão.

Em 1938, a conhecida narração de Orson Welles para o livro Guerra dos mundos, de H.G. Wells, resultou em pânico generalizado em centenas de milhares de norte-americanos, que acreditaram estar sofrendo um real ataque alienígena. Caso emblemático da importância dos mass media na disseminação de um boato.

Longevo pesquisador do comportamento humano, o psicanalista José Ângelo Gaiarsa enxerga o pânico e histeria gerados pelo episódio pelo viés psicanalítico. “Existe uma ansiedade coletiva negada, pois a vida é muito incerta, e mesmo assim tem gente que se comporta como tudo estivesse bem. Mas o fato é que estamos todos assustados. Temos muitos medos escondidos, e isso é um pavio curto para qualquer faísca fazer explodir tudo”, expõe o escritor, que já publicou uma extensa análise de um fenômeno próximo ao boato: Tratado geral sobre a fofoca (Summus Editorial).

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