quinta-feira, 30 de abril de 2009

Arte e loucura

Arte é criação. De onde o artista retira sua capacidade criadora não constitui questão para a psicanálise. Se o artista é, porventura, neurótico ou louco, então poderíamos considerar, em cada caso, que sua existência, como a de qualquer um, só é vista por ele de um ponto, mas é olhada de toda parte.

A formulação desse tema proposto poderia organizar a reflexão sobre o assunto, considerando o ato criativo, a criação artística – seja poética, pictórica, escultórica, musical ou qualquer outra –, sob o aspecto da moderação do ímpeto; ou, então, da contenção de uma loucura qualquer a ser mantida sob restrição.

Bem, descarto, de saída, o disparate de sugerir que haja, no ato criador, para usar o termo proposto, a loucura, ou que o criador seja louco. Afirmar tal coisa é ignorar a arte e desconhecer o que seja a loucura. A loucura não é recomendada para ninguém, nem mesmo para os artistas; além disso, sabemos que não é louco quem quer. Ao contrário, a arte pode até ser sugerida para os loucos, o que não significa afirmar poder ser por eles apreciada, pelo menos da perspectiva de um olhar para aquém e além do olho.

Uma outra coisa a ser, de imediato, descartada é que se possa fazer análise do artista por meio de sua criação. Se um psicanalista, atento à sua função – é função, nada mais, restrita à escuta de quem, porventura, lhe solicite ouvir o que tem a dizer –, conseguir, pelo menos, aprender, com seus analisantes, a arte da onirocrítica, poderá, quem sabe?, tornar-se também um crítico, um crítico de arte, mas não a partir de sua função de psicanalista. Não há análise possível de um autor a partir de sua obra; nem o autor a solicita, nem a obra diz do autor, mas, sim, de sua criação. Seria como analisar os pais pela fala dos filhos, mantendo os pais alheios ao que sobre eles está sendo dito por outros.

A inteligência e a razão impedem-nos, claro, de que nos quedemos em contemplação abobada, mas devem estimular-nos à perplexidade e à surpresa, comovendo-nos diante do que nos afeta, em face, por exemplo, da eloqüência de certos objetos da arte. Só isso nos faz reconhecer o fato de que haja nas criações da arte enigmas que nos são propostos, não necessariamente resolvidos pela nossa compreensão. Nesses casos, os objetos da arte nos propõem indagações; mas também podem conter respostas a indagações sequer formuladas.
Nós, analistas, lidamos com ambas: indagações e não-indagações. As indagações receberam o epíteto de neuroses; as não-indagações, o de psicoses. São termos pertencentes ainda à semântica do discurso médico originário, e, talvez até mesmo por falta de arte, de criação, nós ainda continuamos a usá-los impropriamente.

Se a arte de um determinado artista representa para ele a tentativa de formular – a exemplo dos “neuróticos” – alguma grande indagação que lhe foi imposta, à sua revelia, ou se se trata de lidar, por meio de grande tormento persecutório – no caso “psicótico” –, com respostas que não lhe são próprias, como respostas a alguma indagação que não lhe ocorreu, só o próprio artista poderá expressá-las e significá-las – tais quais lhe passam – com sua arte.

De modo geral, diante de uma grande obra de arte, cada um diz algo diferente do outro e nenhum diz nada que resolva o problema para o admirador despretensioso. Então, pode ser que o que nos captura tão poderosamente seja o “desejo” do artista, até onde ele conseguiu expressá-lo e transmiti-lo em sua obra e que de alguma forma encontra alguma correspondência, mesmo aparente, com nosso próprio desejo. O que no artista produziu esse ímpeto criativo pode corresponder, significantemente, ao nosso próprio desejo articulado em outro lugar.

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