quinta-feira, 30 de abril de 2009

É tudo mentira!

orge Luis Borges edificou uma obra repleta de pseudotraduções, falsas referências, citações a autores e obras inexistentes. E, considerando esse labirinto de paredes densas e intermináveis, é espantoso pensar que talvez um de seus escritos mais conhecidos seja exatamente um embuste, o terrível poemeto Instantes, cujas estrofes parecem fincadas à figura do escritor argentino. Quase três décadas de estudos e depoimentos lhe negando a autoria não foram suficientes, Borges continua sendo equivocadamente acusado desse que se tornou o mais célebre dos incontáveis textos que circulam na internet com assinaturas errôneas ou como apócrifos.

A lista não pára de crescer, tampouco cai o altíssimo nível das vítimas escolhidas para “assinar” essas pérolas (geralmente crônicas ou mensagens de fazer inveja ao mais piegas dos best-sellers de auto-ajuda). Nela encontramos Shakespeare, Maiakovski, Brecht, Neruda, Borges, García Márquez; entre os brasileiros, nomes como Millôr Fernandes, João Ubaldo Ribeiro, Drummond, Quintana e os campeões Arnaldo Jabor e Luís Fernando Veríssimo. Se você, leitor da Continente, nunca recebeu um e-mail ou cartão com um desses textos falsos, sinta-se um privilegiado. Ou, então, quem sabe, não percebeu o trote e até o repassou adiante.

E se engana quem subestima tais ludíbrios, crendo que apenas pessoas de pouca informação caem nas pegadinhas. Professores já empregaram o falso Borges em suas aulas, políticos o citaram em parlamentos, poetas sem conta o usaram como epígrafe em seus livros. Basta dizer, ainda, que Roberto Campos repercutiu os versos em um artigo e o escritor Moacyr Scliar jamais negou parte da responsabilidade pela popularização dos mesmos, já que os trouxe de Buenos Aires, reproduzindo-os no jornal Zero Hora. A própria Maria Kodama, viúva do poeta, contista e crítico argentino, precisou ir à Justiça para negar aquela autoria e se precaver contra ações dos herdeiros do verdadeiro autor.

O assunto revela ainda outras maléficas facetas, como a de textos que são plagiados. Desde as escolas até as universidades, cada vez mais estudantes têm surrupiado textos na rede. No caso das pós-graduações, houve aqueles que não só copiaram teses como também as recolocaram na internet, agora com novas assinaturas. Como muitos desses trabalhos vão parar em revistas científicas, imaginem a surpresa de quem encontra partes de sua pesquisa publicadas com falsa autoria? Esse problema é tão sério que as coordenações de cursos de todo o mundo começaram a adotar programas que buscam excertos coincidentes entre os textos de seus alunos e materiais encontrados na web.

Por tudo isso, será que não chegou o momento de dar mais atenção a essas fraudes literárias? Se os diferentes tipos de fake findam por ludibriar tanto adolescentes iletrados como jornalistas e organizadores de antologias, não existe aí um campo de trabalho novo e profícuo para pesquisadores? Quantas dessas adulterações não devem ainda circular de forma despercebida, pois tanto o falso autor quanto o verdadeiro não chamam a mesma atenção como aqueles que foram aqui citados?

Por enquanto, o que resta é pedir zelo para quem tem por hábito utilizar sua lista de contatos para enviar e-mails com textos, correntes, santinhos etc. O que, em si, já é uma caceteação.

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